Discussões atuais sobre ICMS na conta de luz (parte 3)

A incidência do princípio da Seletividade no ICMS cobrado na conta de luz

Esta é a terceira parte da série de artigos sobre as possibilidades de redução do ICMS incidente sobre a conta de energia elétrica. A primeira parte explicou a famosa discussão sobre a incidência do imposto estadual sobre a TUST e a TUSD, a segunda sobre a incidência do imposto sobre a demanda contratada, e a próxima será sobre a incidência do ICMS sobre a bandeira tarifária (parte 4).

A Constituição Federal de 1988 (CRFB/88), ao prever os princípios tributários listou alguns gerais, que informarão todos os tributos (como a legalidade, a tipicidade, a anterioridade, a isonomia, a irretroatividade, etc.), e alguns específicos para determinados tributos, como é o caso da seletividade para o ICMS, previsto no. art. 155, § 2º, III, da CRFB.

Segundo este princípio, o imposto estadual “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”, ou seja, o legislador estadual teria a escolha entre: 1) prever alíquota uniforme para todos os produtos; ou 2) prever alíquotas diferentes, devendo, neste caso, observar a essencialidade da mercadoria ou serviço (princípio da seletividade).

Neste ponto, ressalte-se que a totalidade dos Estados escolheram prever diversas alíquotas (no caso do Rio de Janeiro temos mais de 30 alíquotas listadas no art. 14 da Lei nº 2.657/96, isso sem contar as alíquotas efetivas previstas em benefícios fiscais), devendo, assim, observar o referido princípio.

De acordo com a seletividade, o Fisco deverá tributar as mercadorias e os serviços supérfluos (como um jet-ski) com uma alíquota maior; e as mercadorias essenciais (como arroz, feijão e demais alimentos da cesta básica) com uma alíquota menor (ou mesmo com isenção).

No Rio de Janeiro vemos claramente a observância desse princípio em diversas alíquotas do art. 14 da Lei nº 2.657/96 (vamos desconsiderar os benefícios fiscais nesse momento), que prevê uma alíquota geral de 18% (que deve ser acrescida de 2% de FECP), e alíquotas específicas como de 37% (mais 2% de FECP) para o jet-ski e a lancha, 35% (mais 2% de FECP) para o cigarro, e de apenas 12% para o arroz, o feijão, o frango e a carne (não incidindo o FECP nesses casos por ser da cesta básica).

Contudo, existem alguns casos em que claramente o Fisco fluminense afronta a seletividade, como é o caso da energia elétrica, cuja essencialidade para a vida atualmente não pode ser questionada. Contudo, o Fisco trata como se fosse uma mercadoria supérflua, pois no caso de consumo superior a 300 kw/h mensais a alíquota será de 31% (27% de ICMS e 4% de FECP) ou 32% (28% de ICMS e 4% de FECP) quando superior a 450 kw/h mensais.

Só para se ter ideia, ao prever uma alíquota muito inferior, o Fisco parece informar que o aguardente (17%), a cerveja (18%) e o refrigerante (16%) são mais essenciais que a energia. Se olharmos os benefícios fiscais, veremos que artefatos de joalheria possuem uma alíquota efetiva de 12% (Lei nº 8.484/19), como se um colar de ouro ou um brinco de diamantes fosse mais essencial que a energia elétrica.

Diante desse cenário, iniciou-se a discussão sobre a inconstitucionalidade da previsão de alíquota maior que a regular para energia elétrica (atualmente prevista nas alíneas “b” e “c” do inciso VI do art. 14 da Lei nº 2.657/96) e do adicional de mais 2% no FECP (passando de 2% para 4%, como previsto no inciso II do art. 2º da Lei nº 4.056/02).

O caso foi decidido em 2006 pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que reconheceu, por unanimidade, a inconstitucionalidade, determinando a aplicação da alíquota regular (18% de ICMS e 2% de FECP) nas contas de energia elétrica.

Contudo, o STF reconheceu a repercussão geral do tema, suspendendo o trâmite das ações judiciais, por meio do tema 745, que ainda aguarda julgamento.

Contudo, a questão não está pacificada, pois o tema ainda será julgado pelo STF, por meio do RE nº 714.139 RG (tema 745), sob a sistemática da repercussão geral, que resolverá definitivamente a discussão. O julgamento ainda não possui data marcada, e o tribunal poderá utilizar a sistemática de modulação de efeitos, já explicada no primeiro artigo dessa série.

Por este motivo, aconselhamos o ingresso imediato de ação judicial pleiteando: a) a restituição dos valores pagos de ICMS a maior e b) a declaração de inconstitucionalidade da alíquota de 27 e 28% e da previsão de 4% do adicional de FECP sobre a energia elétrica.

Tal como na ação judicial sobre a TUST e a TUSD, durante o trâmite da ação judicial, o autor poderá adotar uma das 3 (três) condutas abaixo:

  1. Pedido de Liminar para aplicação da alíquota de 20% de ICMS – Esta é a conduta mais arriscada, visto que esta tese ainda está sendo discutida pelo STF, portanto, ainda existe risco de reverter a favor dos Estados. Caso isto aconteça, o autor terá poucos dias para pagar todo o valor devidamente corrigido, sob pena de multas e inscrição em dívida ativa.
  2. Continuar pagando normalmente, devendo solicitar desde a inicial a restituição do imposto ao final – Esta conduta é a mais conservadora, mas peca pela dificuldade no recebimento posterior, que se dará por precatório, cujo pagamento normalmente demora alguns anos;
  3. Solicitar liminar para depósito judicial do imposto incidente sobre o que exceder 20% de ICMS – Esta é a conduta que indicamos para todos os clientes do nosso escritório, pois no caso de vitória judicial o autor poderá facilmente levantar os valores corrigidos de forma quase que imediata e, em caso de derrota, o valor já estaria em conta judicial, não sendo cobrado qualquer valor ao autor da ação.

Espero que tenha ajudado e que você tenha compreendido melhor a questão. Qualquer dúvida sobre isso, não hesite em nos enviar um e-mail, que você será respondido (às vezes recebo muitos questionamentos… por isso pode demorar alguns dias, mas respondo todos os e-mails). Nos vemos no próximo, e último, artigo dessa série, sobre a incidência do ICMS sobre as bandeiras tarifárias.

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